Cortina de fumaça

“Não nasci para ser presidente”. Nasci para ser cortina de fumaça.

E isso, a cortina de fumaça, é a única coisa que conseguimos ver. Outros pensadores levantaram esta hipótese, outros a refutaram, mas tudo parece apontar exatamente para o mesmo lugar: para a fumaça que não deixa ver o que há por trás. Me parece que coisas muito sérias precisam ser debatidas democrática e socialmente, e tudo isso fica por trás do infinito clima de campanha, das acusações, das fake news, dos despautérios, das intrigas, das picuinhas. Isso tudo é um prato cheio para a mídia, que sempre precisa de audiência e aumenta a confusão. Mesmo a reforma da previdência me parece parte da cortina de fumaça. E o que há por trás da cortina de fumaça? O que não nos deixam ver? Mesmo as questões que precisam urgentemente ser respondidas (Quem mandou matar Marielle Franco? Para que servem os 115 fuzis encontrados na casa de um dos executores de Marielle? Onde está Fabrício Queiroz?) parecem alimentar, sem querer, esta cortina.

Noam Chomsky, um dos mais citados pensadores da atualidade, já falou sobre isso. Entre as estratégias que vemos em campo, a distração e a seleção de um inimigo são as mais óbvias, mas também vemos pipocar inúmeras soluções para problemas que foram criados só para serem “solucionados” (como combater a URSAL, por exemplo); o esforço em mostrar que o estúpido, o vulgar e o inculto são reflexos da sociedade; e a sobreposição da emoção sobre o pensamento crítico racional. E a Esquerda brasileira cai nessas armadilhas discursivas como um patinho. E junto com ela, cai também o debate sério.

Sério mesmo que passamos quinze dias debatendo o que é golden shower?

Podemos acusar o governo de ser o responsável pela cortina de fumaça? Isso seria leviano de minha parte. E ceder à tentação da leviandade me colocaria no mesmo balaio: eu estaria elegendo um inimigo contra quem dirigir fogo. Da mesma forma como é fácil acusar o PT de corrupção, também é fácil acusar o atual governo de estúpido, vulgar e inculto. Para colocar querosene na fogueira, lembro que Sigmund Freud afirmou que a arte sempre chega primeiro, e nossa situação me faz pensar mais no filme “Os suspeitos” (Bryan Singer, 1995) que em simples estupidez, vulgaridade ou falta de cultura.

Manuel Castells, sociólogo catalão, no seu “Redes de indignação e esperança”, observa que passamos por uma grande crise de representatividade, não só no Brasil, mas no mundo todo, e que precisamos imediatamente debater o assunto. Aqui, apesar de precisarmos admitir que o uso das redes sociais nas últimas eleições foi genial, a questão da representatividade não foi nem arranhada.

Nossa incapacidade de debater, de trocar ideias, de argumentar uns com os outros sem agir como em uma briga de torcida impossibilita qualquer avanço. A raiz da questão está na nossa educação precária. Uma educação séria e sólida possibilita aprender a debater, a analisar, a pensar em causas e consequências, a questionar, e lembro de novo o Deleuze que citei ontem: uma educação séria e sólida nos ensina a filosofar, e portanto a denunciar a baixeza do pensamento sob todas as suas formas.

Não estamos prestando atenção ao uso dado ao petróleo encontrado no Pré-Sal. Não estamos prestando atenção ao massacre perpetrado contra os nativos amazônicos e nem nos motivos desse massacre. Não estamos debatendo um plano nacional, sem o qual não construiremos nunca uma nação. Não estamos debatendo as imprescindíveis reformas tributária e política. Pior que tudo isso, não estamos debatendo, simplesmente.

Somos, todos, sem exceção, do mais baixo pensamento.

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