Em 2010 eu cursava o mestrado na PUC-SP. No segundo semestre tive um problema técnico para fazer minha rematrícula on line e precisei ir fisicamente à faculdade. Claro, deixei para a última hora e, quando cheguei lá, só havia uma vaga disponível, na disciplina da Profa. Dra. Jerusa Pires Ferreira, Semiótica Russa e seus desdobramentos na América Latina. Eu estudava o Pato Donald desenhado por Carl Barks, um produto de comunicação de massa norte-americano desenvolvido como produto conforme a lógica capitalista, e não consegui de maneira nenhuma imaginar como a semiótica russa me ajudaria na dissertação (e é bom que se diga também que eu era bem mais tonto do que sou hoje).

A atendente da secretaria disse que eu precisava me inscrever de qualquer jeito, e que poderia chegar a um acordo quanto a qual aula acompanhar direto com os professores. Não pude falar com minha orientadora, a Profa. Dra. Lucia Leao, antes da primeira aula, e fui lá com a cara e a coragem dizer pra profa. Jerusa que não queria fazer a aula dela. Jerusa, baiana arretada, galega de fala malemolente, me disse que eu deveria fazer como melhor me aprouvesse, que fizesse a aula que quisesse e que só a avisasse quanto a notas e faltas. No dia seguinte fui falar com a profa. Lucia e explicar o arranjo. Ela me olhou com olhos de Gandalf enfurecido e disse: "Está louco? Faça a aula da profa. Jerusa!"

Fiz as aulas de Jerusa, e foi uma das melhores aulas que assisti em minha vida. Para a disciplina dela, eu e o Rafael Giardini Lenzi traduzimos um texto sobre Olga Michaelovna Friedenberg (a primeira mulher a assumir uma cátedra em uma universidade russa), que foi uma extraordinária experiência.
Infelizmente, a professora Jerusa faleceu ontem, em Salvador. Ela tinha 81 anos e tratava um câncer. Mas não escrevi isso para marcar a morte, e sim para lembrar da vida dela, que foi extraordinária. Se vale uma única passagem que me impressionou, no ano em que eu nasci, 1976, ela fez o curso ministrado por Umberto Eco em Milão.

Para quem quiser conhecer a pesquisa e o pensamento dela, recomendo a leitura de sua tese de doutorado, "Cavalaria em Cordel: O Passo das Águas Mortas" (é de 1979, mas foi relançado pela EDUSP em 2017) e de "Matrizes impressas do oral: Conto russo no sertão" (Atelie Editorial, 2014). Este, aliás, eu adoro! Ao lê-lo, a ouço falar, e isso me maravilha.










(Na foto, a professora Jerusa em minha defesa da dissertação de mestrado. Minha nota e minha aprovação são fruto da generosidade dela, da profa. Lucia e do prof. Rogério de Almeida)

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