Arroz com feijão ou vice-versa
Sob as arcadas da universidade, à entrada do jardim epicurista que caracteriza todo espaço dedicado ao pensamento crítico genuíno, iluminado pelo sol, agraciado pelas flores, alegrado pelos pássaros, estão Haroldo e Augusto, estudantes daquela prestigiosa instituição, que desenvolvem um debate acerca da mais douta das questões da contemporaneidade:
“Indubitavelmente, posto que líquido”, afirmava Haroldo, “o feijão deve ir por cima do arroz. Só assim os dois sabores podem interagir e criar um conteúdo heterogêneo!”
“Controverso, dada a incontestável questão da liberdade”, rebatia Augusto, “que debita ao que come a medida da quantia de um e de outro a ser misturada a cada garfada”.
Chegaram a tal impasse e encontraram-se incapazes de dirimir a questão com seus argumentos. Já que são doutorandos, consideraram fora de questão resolver a pendenga aos socos, e finalmente concordaram em alguma coisa: levar tão intrigante pergunta ao professor Gilbert, nascido na França e um verdadeiro gourmand, fato que sustentava abdominal e verbalmente. Acercaram-se dele quando chegava à sala dos professores e ali, na porta mesmo, apresentaram sua dúvida:
“Professor, ajude-nos a resolver esta questão: de uma vez por todas, o arroz vai por cima do feijão, ou o feijão vai por cima do arroz?”
“Sacrebleu, mon enfants! Em minha família, sempre colocamos um ao lado do outro! Há que considerar aí a coincidência de dois opostos, e dois opostos que se complementam e tornam o prato um universo em si mesmo”.
Neste momento, saindo da sala dos professores, vinha o professor Tosaka, pós-doutor japonês convidado na universidade, que foi também cooptado à discussão, e que respondeu:
“Misturar feijão e arroz é estranho ao meu paladar. Feijão, para nós oriundos das Terras do Sol Nascente, é para se fazer doce, o anko, com o que recheamos o manju, muito apreciado no Japão e aqui no Brasil também”.
Acalorou-se o debate, ergueram-se as vozes, mãos com dedos em riste, e aproximou-se alguém com uma intenção pacificadora, outro professor convidado, o mexicano doutor Octavio, que acalmou os ânimos e perguntou o motivo de tão vigoroso debate. Após ouvir a explicação, explodiu em gargalhadas:
“Que carajo, cabrones! Misturar arroz a los frijoles é absurdo! Que tipo de tequila ruim os senhores andam bebendo?”
Foi a gota d’água! Livros e anotações foram jogados ao chão, óculos atirados por cima dos ombros, voaram socos e pontapés e mordidas e dedadas e tabefes e portadas e lambidas e beliscões e gritos e sapatadas e bundadas e cusparadas e cotoveladas e narigadas e cabeçadas e flatulências e canetadas e reguadas e golpes de todos os tipos, baixos, conceituais, morais, institucionais e de estado. O reitor foi chamado em meio ao pânico instalado e precisou correr até o corredor e colocar ordem naquele aranzel aos berros, sem nenhuma compostura, batendo nos doutos rivais com um exemplar da Ética de Espinoza que lia naquele momento.
“Indubitavelmente, posto que líquido”, afirmava Haroldo, “o feijão deve ir por cima do arroz. Só assim os dois sabores podem interagir e criar um conteúdo heterogêneo!”
“Controverso, dada a incontestável questão da liberdade”, rebatia Augusto, “que debita ao que come a medida da quantia de um e de outro a ser misturada a cada garfada”.
Chegaram a tal impasse e encontraram-se incapazes de dirimir a questão com seus argumentos. Já que são doutorandos, consideraram fora de questão resolver a pendenga aos socos, e finalmente concordaram em alguma coisa: levar tão intrigante pergunta ao professor Gilbert, nascido na França e um verdadeiro gourmand, fato que sustentava abdominal e verbalmente. Acercaram-se dele quando chegava à sala dos professores e ali, na porta mesmo, apresentaram sua dúvida:
“Professor, ajude-nos a resolver esta questão: de uma vez por todas, o arroz vai por cima do feijão, ou o feijão vai por cima do arroz?”
“Sacrebleu, mon enfants! Em minha família, sempre colocamos um ao lado do outro! Há que considerar aí a coincidência de dois opostos, e dois opostos que se complementam e tornam o prato um universo em si mesmo”.
Neste momento, saindo da sala dos professores, vinha o professor Tosaka, pós-doutor japonês convidado na universidade, que foi também cooptado à discussão, e que respondeu:
“Misturar feijão e arroz é estranho ao meu paladar. Feijão, para nós oriundos das Terras do Sol Nascente, é para se fazer doce, o anko, com o que recheamos o manju, muito apreciado no Japão e aqui no Brasil também”.
Acalorou-se o debate, ergueram-se as vozes, mãos com dedos em riste, e aproximou-se alguém com uma intenção pacificadora, outro professor convidado, o mexicano doutor Octavio, que acalmou os ânimos e perguntou o motivo de tão vigoroso debate. Após ouvir a explicação, explodiu em gargalhadas:
“Que carajo, cabrones! Misturar arroz a los frijoles é absurdo! Que tipo de tequila ruim os senhores andam bebendo?”
Foi a gota d’água! Livros e anotações foram jogados ao chão, óculos atirados por cima dos ombros, voaram socos e pontapés e mordidas e dedadas e tabefes e portadas e lambidas e beliscões e gritos e sapatadas e bundadas e cusparadas e cotoveladas e narigadas e cabeçadas e flatulências e canetadas e reguadas e golpes de todos os tipos, baixos, conceituais, morais, institucionais e de estado. O reitor foi chamado em meio ao pânico instalado e precisou correr até o corredor e colocar ordem naquele aranzel aos berros, sem nenhuma compostura, batendo nos doutos rivais com um exemplar da Ética de Espinoza que lia naquele momento.
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